A NOVA FACE DA Minas pré-histórica
Novas descobertas que emergem dos sítios
arqueológicos e paleontológicos mineiros atraem para o Estado especialistas
de renome internacional e
descortinam histórias de um passado remoto, em que o território hoje ocupado
por cidades era dominado por animais gigantescos ou por nossos mais antigos
antepassados. Na Grande BH, as últimas descobertas da equipe do
bioantropólogo Walter Neves, da USP, podem lançar luz sobre os primeiros
habitantes da América. Em todo o território mineiro, pesquisadores viajam por
mil, milhares de anos passados. Das proximidades da capital, percorrem um
longo túnel do tempo até Fonseca, na Zona da Mata, onde foram encontrados
fósseis de plantas e pequenos insetos, datados de cerca de 37 milhões de
anos. E chegam a Peirópolis, no Triângulo Mineiro, onde surgem vestígios de
dinossauros e crocodilos, que teriam vivido há mais de 70 milhões de anos,
resgatados por pesquisadores, que garimpam as mais antigas riquezas das Minas
Gerais.
O sítio arqueológico Lapa do Santo, zona rural de Matozinhos, na Grande BH,
12 novos sepultamentos podem confirmar o que o pesquisador e bioantropólogo
Walter Neves, coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos Humanos da
Universidade de São Paulo (LEEH/USP), antevia há exatos três anos, quando
iniciou os trabalhos na região de Lagoa Santa: a trilha dos “parentes” de
Luzia, considerada a primeira brasileira e o primeiro fóssil humano das
Américas. Em 1975, seu crânio foi descoberto em Lapa Vermelha, entre Lagoa
Santa e Pedro Leopoldo, a 36 quilômetros da capital. Datações revelaram a
idade do achado: entre 11 mil e 11,5 mil anos.
“Ela não está sozinha. Estou em busca do seu grupo”, afirmou Neves, ao ESTADO
DE MINAS, em 2002, quando disse que quem quisesse estudar os fósseis dos
primeiros habitantes da América teria que “comer na mão” de Minas Gerais.
Segundo ele, embora existam evidências da presença humana há 11,5 mil anos,
os abrigos só começaram a ser habitados por volta de 9,5 mil anos atrás.
“Acreditamos que, de 11,5 mil a 9,5 mil anos atrás, havia apenas pequenos
grupos perambulando pela região, mas que não habitavam o Carste de Lagoa Santa.
A arqueologia é uma ciência lenta e a maior parte do material que retiramos
dos sítios arqueológicos e paleontológicos não foi processada. Precisaremos
de mais alguns anos para testar melhor nossas hipóteses sobre quem eram e
como viveram esses primeiros humanos”, diz.
“Os sepultamentos e as evidências arqueológicas na Lapa do Santo indicam uma
ocupação bastante densa, e abrem a chance de traçarmos novas hipóteses sobre
a região”, explica o professor e arqueólogo Renato Kipnis, que ao lado de
Neves, é um dos coordenadores do projeto “Origens e Microevolução do Homem na
América”, desenvolvido pela USP em Minas.
Distante geograficamente de Lagoa Santa, e também nos milhares de anos de
idade de cada achado, o Triângulo Mineiro revela novas facetas dos dinossauros
que vagavam pelo Estado há cerca de 70 milhões de anos. “Há 15 dias,
descobrimos fósseis de costelas que chegam a quase um metro de comprimento,
indicando que o dinossauro tinha enormes feixes musculares no pescoço, o que
nos leva a crer que pertençam a um carnívoro, de grande porte”, diz o
paleontólogo e diretor do Centro de Pesquisas Llewelyn Ivor Price, Luiz
Carlos Borges Ribeiro. Para o professor da Universidade Federal de Minas
Gerais e diretor do Museu de Ciências Naturais da PUC Minas Cástor Cartelle,
as descobertas são fantásticas, mas os locais, bem como outras áreas de Minas
Gerais, como Peruaçu, Montalvânia e Itacarambi, no Norte do Estado; Pains e
Arcos, no Centro-Oeste; e Fonseca, na Zona da Mata, que guardam fósseis
paleontológicos (relativos ao estudo de fósseis de animais e vegetais
pré-históricos) e vestígios arqueológicos (relativos à pesquisa da ocupação
humana em períodos distintos da história), devem ser preservados com uma
política pública mais integrada e firme.
“Não há
plano de preservação. O Sumidouro (em Lagoa Santa) está sendo depredado.
Denuncio isso desde 1990 e ninguém faz nada. Temos ali vestígios de pinturas
nas rochas e das primeiras ocupações humanas, mas o local está cheio de
pichações e a ocupação desordenada avança. Tudo ilegal, em monumento de valor
científico e histórico inigualável”, critica.
Tesouro exposto à depredação
Segundo o geomorfólogo Luis Piló, conselheiro da Área de Proteção Ambiental
(APA) Carste de Lagoa Santa, os sítios paleontológicos e arqueológicos
brasileiros são protegidos por lei, mas não há gestão que lhes dê
integridade. “Precisamos de articulação dos poderes federal, estadual,
municipal e da comunidade”, diz. Na semana passada, a Prefeitura de
Matozinhos promoveu o I Fórum da APA Carste, que levantou questões sobre como
conciliar desenvolvimento econômico, ocupação humana e o patrimônio natural
pré-histórico.
Cartelle conta que os momentos que marcaram a busca por vestígios da
pré-história mineira remontam à época em que o dinamarquês Peter Lund fez
seus primeiros achados, ainda no século XIX; a meados do século passado,
quando o grupo da Academia Mineira de Ciências (fazendo referência a Harold
Walter, Josaphat Penna, Arnaldo Cathoud e Anibal Mattos) escavou e levantou pinturas
rupestres em Minas; e à década de 70, quando a expedição franco-brasileira
capitaneada pela arqueóloga Annette Laming-Emperaire encontrou o crânio mais
tarde batizado “Luzia”.
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O dinamarquês Peter Lund (1801-1880) descobriu na região de
Lagoa Santa, em Minas Gerais, vestígios de presença humana de mais de 10
mil anos. Quase dois séculos depois dos achados do pai da arqueologia
brasileira, novas descobertas são feitas em terras mineiras. Desta vez, a
área escavada fica mais a oeste, a quase 200 quilômetros de Belo
Horizonte. Cerâmicas, adornos e pontas de flechas de até 11 mil anos
compõem o acervo do recém-criado Museu Arqueológico do Carste do Alto
São Francisco (MAC), na cidade de Pains, centro-oeste do estado.
A região do Carste do Alto São Francisco é formada por oito municípios e
tem cerca de 230 sítios arqueológicos. A grande formação calcária do
local, chamada carste, ajudou a conservar quase intactas as peças
deixadas ali por povos antigos. De acordo com Gilmar Henriques,
idealizador e diretor do MAC, os objetos encontrados ao longo de mais de
10 anos de pesquisa estavam em cavernas, em abrigos formados por
rochedos e até mesmo a céu aberto.
Entre as 200 peças do museu está um vaso de 40 centímetros de diâmetro,
em forma de cálice. “Devia ser uma oferenda, porque foi encontrado junto
a um grande sepultamento. Ainda não fizemos a datação, mas acredito que
tenha de 500 a dois mil anos”, afirma o diretor do MAC. Há também uma
série de adornos feitos em osso. Entre eles, colares com pingentes de
conchas coletadas nos rios da região, onde antigamente havia mariscos.
Uma coleção de 70 pontas de flechas com idades de oito a 11 mil anos
completa o acervo.
O material encontrado pertencia a dois povos. O mais antigo deles era
formado por caçadores-coletores. Eles viveram entre oito e 11 mil anos
atrás e foram descobertos pela equipe de Henriques. Já os habitantes
mais recentes eram ceramistas e viveram de 400 a dois mil anos atrás.
“Acreditamos que os ceramistas falavam uma língua do tronco Macro-Jê. Há
cerâmicas similares no leste de Minas Gerais, onde estão os índios
krénak e macaxalís, que falam línguas pertencentes ao tronco”, diz o
coordenador do MAC.
A origem dos povos de língua Macro-Jê ainda é hipotética. Segundo
Henriques, há arqueólogos que não acreditam na associação baseada no
estilo das cerâmicas. Apesar de a polêmica quanto ao tronco linguístico
não diminuir o valor das descobertas, não é todo mundo que se preocupa
com o patrimônio arqueológico local. “Encontramos uma caverna
completamente destruída pela mineração clandestina. Poderia ter peças
lá, já que quase todas as cavernas foram ocupadas por esses povos”,
lamenta Henriques. A equipe do museu tem muito trabalho pela frente.
Além de mostrar a importância dos achados para a população, ainda falta
registrar cerca de 30 sítios no Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional (Iphan)
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