Documento
1:
“Dei
muitas outras coisas de pouco valor que lhes causaram grande prazer”
(11/10/1492). “Tudo o que têm, dão em troca de qualquer bagatela que se lhes
ofereça, tanto que aceitam na troca até mesmo pedaços de tigela e taças de
vidro quebradas” (13/10/1492). “Alguns tinham pedaços de ouro no nariz, que de
bom grado trocavam por (...) [coisas] que valem tão pouco que não valem nada”
(22/11/1492).
(Cristóvão
Colombo, “Diário”).
Documento
2:
“Até
pedaços de barris quebrados aceitavam, dando tudo o que tinham, como bestas
idiotas”.
(Cristóvão
Colombo, “Carta a Santangel”, fevereiro/março de 1493).
Documento
3:
“Alguns
índios que o Almirante [Colombo] tinha trazido de Isabela entraram nas cabanas
(que pertenciam aos índios locais) e serviram-se de tudo o que era de seu
agrado; os proprietários não deram o menor sinal de aborrecimento, como se tudo
o que possuíssem fosse propriedade comum. Os indígenas, achando que tínhamos o
mesmo costume, no início pegaram dos cristãos tudo o que era de seu agrado; mas
notaram seu erro rapidamente.”
(Fernando
Colombo, “Histoire” ou “Vida do Almirante Dom Cristóvão Colombo”, publicado em
1571)
Documento
4:
“Como
na viagem que fiz a Cibao [atual República Dominicana], ocorreu que algum índio roubou, se fosse descoberto que
alguns deles roubam, castigai-os cortando-lhes o nariz e as orelhas, pois são
partes do corpo que não se pode esconder”.
(Cristóvão
Colombo, “Instruções a Mosen Pedro Margarite”, 09/04/1494).
Documento
5:
“Cortez
ordena que cada um dos [sessenta] caciques faça vir seu herdeiro. A ordem é
cumprida. Todos os caciques são então queimados numa imensa fogueira e seus
herdeiros assistem à execução. Cortez chama-os em seguida e lhes pergunta se
sabem como foi dada a sentença contra seus pais assassinos, depois, tomando um
ar severo, acrescenta que espera que o exemplo baste e que eles não sejam mais
suspeitos de desobediência.”
(Pierre
Martyr Anghiera, “De Orbe Novo”, publicado em 1511).
Documento
6:
“Assim
que os espanhóis souberam das crenças ingênuas dos insulares em relação a suas
almas que, após a expiação das faltas, devem passar das montanhas geladas do
norte para as regiões meridionais, tudo fizeram para persuadi-los a abandonarem
por iniciativa própria o solo natal e se deixarem levar às ilhas meridionais de
Cuba e Hispaniola [Haiti]. Conseguiram convencê-los de que eles
mesmos estavam chegando do país onde encontrariam seus pais e filhos mortos,
todos os parentes e amigos, e desfrutariam de todas as delícias nos braços
daqueles que tinham amado. Como os sacerdotes já tinham incutido neles essas
falsas crenças, e os espanhóis confirmavam-nas, deixaram a pátria nessa vã
esperança. Assim que compreenderam que tinham abusado deles, já que não
encontravam nem os parentes nem pessoa alguma que desejavam e eram, ao
contrário, forçados a suportar fadigas e a executar trabalhos duros aos quais
não estavam habituados, ficaram desesperados. Ou se suicidavam, ou então
resolviam morrer de fome e faleciam de cansaço, recusando qualquer argumento, e
até mesmo a violência, para se alimentarem. (...) Assim pereceram os
desafortunados lucayos.”
(Pierre
M. Anghiera, “De Orbe Novo”).
Documento
7:
“Esta
é nossa principal intenção: prevenir o clero da confusão que pode existir entre
as nossas festas e as deles. Os índios, simulando a celebração das festas de
nosso Deus e dos santos, inserem e celebram as de seus ídolos quando caem no
mesmo dia. E introduzem seus antigos ritos no nosso cerimonial. (...) Durante
esses dias de festa, ouvia cantos louvando a Deus e aos santos que eram
misturados com suas metáforas e coisas antigas que só o demônio compreende,
pois foi ele quem lhas ensinou.”
(Frei
Diego Durán, “Historia de las Indias de Nueva España e Islas de la Tierra Firme”,
escrito entre 1576-1581).
Um
bom modo de iniciar o trabalho com esses documentos é perguntando aos alunos o
que todos eles têm em
comum. Essa é a informação básica para o desenvolvimento da
atividade: são textos produzidos por europeus dos séculos XV e XVI, portanto do
início da conquista e colonização, sobre os habitantes do lugar que os europeus
denominaram “Novo Mundo” e, a partir de 1507, de “América”, em homenagem ao
navegador e mercador florentino Américo Vespúcio (1454-1512), o primeiro a
anunciar que as terras então descobertas eram parte de um novo continente.
Um
segundo passo é inquirir dos alunos o que levou Cristóvão Colombo a comparar os
indígenas a “bestas idiotas” (doc. 2) e se eles concordam com essa avaliação. À
possível resposta de que foi o fato dos indígenas trocarem bagatelas, coisas de
nenhum valor, por ouro, o professor deve problematizar: coisas de nenhum valor
para quem? Quem é o verdadeiro idiota nesta história? Mostrar que foi a
incompreensão de Colombo, sua ignorância em relação aos valores e cultura dos
indígenas, do outro, do diferente, que o levou a chamar-lhes de “bestas
idiotas”. Como bem diz Todorov: “Colombo não compreende que os valores são
convenções (...) e que o ouro não é mais precioso do que o vidro ‘em si’, mas
somente no sistema europeu de troca. (...) temos a impressão de que é ele
[Colombo] o idiota: um sistema de troca diferente significa, para ele, a
ausência de sistema, e daí conclui pelo caráter bestial dos índios.” (Tzvetan
Todorov, A conquista da
América. A questão do outro. Trad. Beatriz Perrone Moisés. São
Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 37. Todos os documentos desta atividade foram
tirados do livro de Todorov).
A
partir da referência ao “sistema europeu de troca” o professor pode estabelecer
seu elo com o tópico 2.
Um
possível terceiro passo é pedir para os alunos identificarem a frase do filho
mais novo de Colombo, Fernando, (doc. 3) em que ele nos dá uma pista para
compreendermos que seu pai estava errado ao chamar os indígenas de “bestas
idiotas”. A frase: “Os indígenas, achando que tínhamos o mesmo costume, no
início pegaram dos cristãos tudo o que era de seu agrado, mas notaram seu erro
rapidamente.” Aqui o professor deve explorar o fato de que Fernando percebe que
os indígenas têm costumes diferentes, que a noção que eles possuem de
propriedade privada é diversa da dos europeus. Mas, sintomático, Fernando
identifica o diferente com o erro. Sua visão etnocêntrica o impede de conferir
validade aos valores de outros povos, de outras culturas. Uma possível questão
para o desenvolvimento deste ponto é pedir para os alunos, relacionando os
documentos 3 e 4, justificarem a afirmativa: “O projeto de dominação do Novo
Mundo pelos europeus significou forçar os indígenas a assimilarem os valores da
cultura européia. Na base desse projeto estava a intolerância em relação ao
diferente.”
Os
documentos 5 e 6 nos informam de diferentes meios de dominação utilizados pelos
espanhóis no Novo Mundo. Peça para os alunos: a) identificarem esses meios
diferentes; b) relacionarem o meio utilizado no documento 5 com o documento 4;
c) apontarem as diferenças e as coincidências na atitude dos europeus em
relação à cultura dos indígenas comparando os documentos 3, 6 e 7 com os
documentos 1 e 2.
O
professor deve enfatizar que não foi apenas através da violência física
explícita – o suposto “roubo” e a rebelião promovida pelos caciques contra o
domínio espanhol são punidos exemplarmente, isto é, visíveis aos olhos de todos
(docs. 4 e 5) – que os europeus impuseram sua dominação. À medida em que foram
tomando conhecimento dos valores, das tradições, de elementos da cultura
indígena se utilizaram astutamente desses elementos para que os indígenas
atendessem a seus interesses – no caso do doc. 6, servirem como mão-de-obra.
Enquanto nos documentos 1 e 2 o que salta aos olhos é a ignorância do europeu
em relação à cultura indígena, os documentos 3, 6 e 7 revelam conhecimento do
europeu de elementos dessa cultura. Mas a intolerância em relação ao diferente
é a mesma: o “bestas idiotas” (doc. 2) equipara-se ao “erro” (doc. 3), às
“crenças ingênuas”, às “falsas crenças” (doc. 6), às coisas do “demônio” (doc.
7)
Através
da leitura dos documentos 5, 6 e 7 peça aos alunos para identificarem
diferentes meios que os indígenas utilizaram para resistir à dominação. O
professor deve ressaltar que não foi apenas através da rebelião armada que os
indígenas resistiram à dominação (doc. 5). Alguns preferiram deixar de viver –
na esperança, segundo suas crenças, de uma vida prazerosa após a morte – a
serem escravos dos espanhóis (doc. 6). Outros, mesmo servindo aos europeus, se
utilizaram da cultura que lhes era imposta para introduzir e preservar
elementos de sua própria cultura, mantendo assim traços de sua identidade e
resistindo à total submissão à religião do europeu. Aqui o professor pode
relacionar esse ponto com o tópico 3, com as formas de resistência dos
africanos à escravidão: quilombos, rebeliões, banzo e introdução de elementos
da cultura africana nas manifestações culturais do branco europeu.
Particularmente nos municípios onde existem festas como moçambique, congada
etc., o professor deve explorar essa última forma, bem como relacioná-la com as
atividades dos “escravos de ganho”, que se configuram ao mesmo tempo como
resistência e acomodação ao sistema dominante.
Esta
atividade pode ser utilizada pelo professor para trabalhar com os alunos o
conceito de “aculturação”. Mostrar que nunca uma cultura consegue apagar uma
outra que pretende dominar. Sempre quando culturas distintas entram em contato
entre elas ocorre uma interação ou ação recíproca. Seria interessante o
professor desenvolver com os alunos uma pesquisa de identificação nas
manifestações culturais e no cotidiano de sua cidade de traços das culturas
africana, indígena e européia. A começar pelos nomes das ruas e bairros.
Glossário:
Isabela: nome dado por Colombo à
quarta ilha que encontrou, em homenagem à rainha de Espanha, Isabel.
Lucayos: povo que habitava as
atuais Ilhas Bahamas.
Visão
etnocêntrica: visão que considera sua própria raça ou povo como o centro da cultura.
Marcada pelo hábito de julgar povos estrangeiros pelos padrões e práticas de
sua própria cultura ou grupo étnico. Tende a menosprezar sociedades ou povos
cujos costumes são diferentes dos da sua própria sociedade ou povo.
Banzo: estado de nostalgia
profunda, mortal, dos negros africanos escravizados e levados para terras
distantes.
Nenhum comentário:
Postar um comentário