“...se houvesse paraíso na terra eu diria que
agora o havia no Brasil. Quanto ao de dentro e de fora, não pode viver senão no
Brasil quem quiser viver no paraíso terreal. Ao menos eu sou desta opinião. E
quem não quiser crer venha-o experimentar”.
Carta de Rui Pereira aos familiares em
Portugal, datada de 1560
Introdução
O conhecimento sobre o processo pelo qual cada
área do conhecimento foi, ao longo do tempo, construindo os seus alicerces e
estabelecendo filtros e recortes temáticos, mais do que apenas uma volta ao
passado, se constitui num elo permanente que conecta (e de certa forma explica)
o estágio atual da arte e seus marcos historicamente contextualizados.
O estudo dos fenômenos atmosféricos, compartido entre a Meteorologia e a
Climatologia é caracterizado por uma interface que, nas diversas fases da
evolução das ciências, esteve presente em numerosas áreas do conhecimento. Mas,
sem dúvida alguma, é no escopo da Geografia, que tem encontrado terreno fértil
para o seu desenvolvimento.
O que pretendemos neste artigo é trazer ao leitor uma leitura geográfica das
primeiras impressões sobre o tempo e o clima do Brasil, deixadas pelos
cronistas e viajantes nos dois séculos iniciais de nossa colonização. Para
tanto, recorremos aos documentos históricos mais importantes dos séculos XVI e
XVII, em busca de uma interpretação de como a sociedade européia que, naquela
época, via agonizar, lentamente, o pensamento escolástico da filosofia cristã e
o surgimento do movimento Renascentista, que abria novas perspectivas de visões
de mundo.
Visões do paraíso
Os primeiros viajantes europeus a percorrerem as terras brasileiras,
navegantes, comerciantes, religiosos e aventureiros de todos os tipos tinham em
comum, e não poderia ter sido de outra forma, a visão de um mundo desconhecido,
de uma paisagem natural estranha e selvagem, repleta de simbologia, mitos e
fábulas, que permearam as primeiras impressões e descrições, carregadas de
representações que evidenciavam mais as visões do que os fatos.
Ao tratar esta questão, Belluzzo (1996) comenta que estas primeiras visões
deste novo mundo podem ser interpretadas da seguinte maneira:
[...]as primeiras imagens das terras
brasileiras correspondem a dois impulsos. De um lado, a projeção sobre o
desconhecido, os símbolos e mitos, os contos maravilhosos e as fábulas. De
outra, a observação direta e o cálculo, que proporcionaram descrições
geográficas na forma cartográfica.(Belluzzo. 1996, p.15)
Com muita freqüência, estes primeiros viajantes mencionavam o mundo natural
e se sentiam particularmente atraídos pelos animais e pela vegetação estranha e
exótica. Não faltaram as idealizações sobre a vida na floresta e o bom
selvagem, em perfeita harmonia com o universo.
Portanto, não se pode deixar de considerar nos relatos dos cronistas dos
séculos XVI e XVII, tanto o contexto histórico, como toda a carga de conceitos
éticos, morais, religiosos e estéticos, com que descreveram suas primeiras
impressões.
Sergio Buarque de Holanda (1969), ao abordar as controvérsias sobre o mundo
natural – e o clima – entre os pensadores do século XVI, a respeito do legado
de Aristóteles/Estrabão e a experiência adquirida nas viagens, comenta:
O vigor, porém, dessas razões, ainda quando não se leve em conta a
fragilidade dos supostos fundamentos científicos em que se amparam, é
claramente alimentado pelo empenho de mostrar o erro dos destratores obstinados
do mundo tropical. No argumento de fundo polêmico pode vislumbrar-se alguma
coisa daquela mesma emoção que deve ter possuído os cosmógrafos quando, ao
circularem as primeiras notícias de viagens efetuadas às terras outrora
ignoradas, se foram dissipando ou desbotando noções que, durante longos
séculos, passaram quase por artigos de fé: a noção, por exemplo, de que em
nosso globo a terra tem extensão muito maior do que as águas; a da existência
dos antípodas, de que até os santos duvidaram, e não faltou quem o lembrasse;
ou ainda a de que a cor da pele, nos seres humanos, nada tem a ver com a
intensidade do calor, de modo que num mesmo clima e à mesma distância da
equinocial, podem existir brancos e pretos, e por fim a de que mesmo os sítios
mais quentes, ou tidos como tais, são perfeitamente habitáveis. (Holanda. 1969,
p.277-278)
No início da colonização, enquanto os portugueses, indecisos, se convenciam
das vantagens em investir na ocupação do Brasil, os franceses, que não
aceitavam a divisão da América estabelecida pelo Tratado de Tordesilhas, entre
os reinos ibéricos, desde 1003, já perambulavam pela costa brasileira,
comercializando com várias tribos indígenas e, por duas vezes, tentaram fundar
colônias em nosso território.
Além disto, os holandeses, que por esta época lutavam por sua independência
contra os espanhóis, trouxeram esta guerra para o novo mundo, invadindo o
litoral do nordeste brasileiro que, pela união das coroas entre Portugal e
Espanha, a esta última seu território passou a pertencer entre 1580 e 1640.
Não se pretende realizar um tratado sobre os viajantes e cronistas europeus
que percorreram as terras brasileiras no início de nossa colonização mas apenas
contextualizar historicamente como foram sendo construídas e produzidas as
primeiras visões, sensações e conceitos sobre as condições do tempo e
descrições do clima do Brasil.
Consideramos três conjuntos de informações que se identificam tanto
cronologicamente, quanto pela natureza das descrições realizadas. O primeiro
conjunto se refere à visão dos portugueses, a partir do conteúdo da carta do
escrivão Pero Vaz de Caminha ao Rei Dom Manuel, por ocasião da descoberta do
Brasil em abril de 1000 e, em especial, às observações dos religiosos da
Companhia de Jesus, como as dos padres José de Anchieta, Manuel da Nóbrega e
Fernão Cardim, na primeira metade do século XVI.
No segundo conjunto, analisamos o que consideramos serem as mais preciosas e
significativas contribuições sobre o mundo tropical para a época, que foram
aquelas realizadas pelos religiosos franceses presentes nas duas tentativas de
implementação de colônias em território brasileiro, entre o final do século XVI
e início do XVII, em especial, os relatos de Andre Thevet, Jean de Léry, Claude
d’Abbeville e Yves d’Evreaux que, de certa forma, se constituíram nos
principais documentos que fundamentaram a visão dos “alegres trópicos”, que
tanto influenciou a cultura européia, notadamente francesa, produzindo as
teorias (ou mitos ?) do bom selvagem e da sociedade primitiva perfeita, como
aquelas propagadas por Rousseau e enciclopedistas do Iluminismo francês.
Para finalizar, o terceiro conjunto se refere ao período do domínio holandês
no nordeste brasileiro, marcado pela primeira tentativa de se tratar a natureza
de forma mais científica, a partir dos estudos realizados por Georg Marcgrave,
Johannes de Laet e Gaspar Barleus, naturalistas e cientistas que vieram com a
comitiva de Maurício de Nassau, no século XVII, quando o racionalismo
científico toma corpo e passou a ditar as regras.
A Carta de Caminha e os relatos de Fernão Cardim
A ocupação efêmera do Brasil por parte de Portugal no início da colonização
foi responsável pelo pouco interesse despertado sobre nossa terra e nossa
gente. Os poucos relatos encontrados na literatura, com exceção do primeiro
documento enviado à metrópole representado pela carta do escrivão da armada de
Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha, vieram dos padres da Companhia de
Jesus, José de Anchieta, Manuel da Nóbrega e Fernão Cardim.
Destes, Cardim é o único que descreve, de forma mais aprofundada, as
características do clima do Brasil. Nascido em 1548, foi dirigente da Companhia
de Jesus por várias décadas, posto este que o obrigava a percorrer, como padre
visitador, as paróquias e capelas distribuídas ao longo de nosso território,
para cuidar do andamento dos serviços religiosos aos cristãos e da catequese
dos indígenas.
Antes de morrer, em 1625, deixou excelentes relatos, condensados na obra
“Tratados da Terra e Gente do Brasil”, preparado por Capistrano de Abreu e
publicado, pela primeira vez, em 1939, pela série Brasiliana.
Apesar de seus escritos estarem mais dedicados a oferecer à Companhia de
Jesus uma visão geral da “empresa jesuítica”, Cardim organizou um conjunto de
informações sobre a natureza (fauna e flora) e, particularmente, em seu
primeiro capítulo, descreve as características do clima.
Logo no início da narrativa, oferecendo uma visão geral dos climas da porção
litorânea do Brasil, escreve o autor:
O clima do Brasil geralmente he de bons, delicados e salutíferos ares, donde
homens vivem até noventa, cento e mais annos; geralmente não tem frios, nem
calores, ainda que no Rio de Janeiro até São Vicente há frios e calores, mas
não muito grandes. Os céus são muito puros e claros, principalmente à noite. O
inverno começa em março e acaba em agosto, o verão começa em setembro e acaba
em fevereiro. (Cardim. 1978, p.25)
De suas impressões sobre o clima, invariavelmente compara as condições daqui
e de Portugal da época merecendo destaque duas observações sobre as
características da capitania do Rio de Janeiro e da Vila de Piratininga (atual
São Paulo).
Na primeira, sobre o Rio de Janeiro, escreve o autor que o clima é bastante
temperado, o que, em seu modo de dizer, significa que não há calor nem frio
exagerado e o ar “é muito sadio e de muita boa água” (Cardim.
1978, p.209).
Não podemos deixar de constatar, como veremos em outros capítulos, que neste
período (séculos XV ao XIX), a Europa experimentava um rigor climático muito
mais intenso do que hoje, período este denominado de Pequena Idade do Gelo (ou
Glacial), que apresentava invernos muito rigorosos que castigavam as populações
urbanas e comprometiam as safras agrícolas. Assim, o que Cardim considerava
como clima temperado, na verdade significa mais a ausência de inverno, do que
verões brandos. A este respeito, afirma:
O inverno se parece com a primavera de Portugal: tem uns dias formosissimos
tão aprazíveis e salutiferos que parece os corpos bebendo vida. (Cardim. 1978,
p.209)
A Segunda observação se refere a São Paulo. Além de retratar o clima como
muito sadio, informa que no inverno o clima é muito frio, com a ocorrência de
geadas e dias muito límpidos. Acrescenta que as terras são muito férteis, onde
há grandes pinheiros, cujas pinhas são maiores do que as de Portugal e são tão
abundantes, que há índios que se alimentam quase exclusivamente delas, e ainda
que se planta muito trigo e cevada (Cardim. 1978, p.213-214).
Mas a descrição que Fernão Cardim realizou sobre o clima do Brasil não se
limita a observações genéricas. Comenta alguns episódios bastante calamitosos,
que já naquela época, provocavam flagelos e reconhecia que se tratava de fatos
excepcionais. Num destes relatos, se refere a uma grande seca no nordeste,
especificamente na capitania de Pernambuco, ocorrida em 1583, que atingiu
inclusive o litoral, onde se encontravam os engenhos de açúcar, e tece o
seguinte comentário:
Houve tão grande seca (em 1583) que os engenhos d’agua não moeram muito
tempo. Houve grande fome, principalmente no sertão de Pernambuco, pelo que
desceram do sertão apertados pela fome socorrendo-se aos brancos, quatro ou
cinco mil índios. Porém passado aquele trabalho da fome, os que puderam se
tornaram ao sertão, excepto os que ficaram em casa dos brancos ou por sua, ou
sem sua vontade. (Cardim. 1978, p.199)
Desde esta época, portanto, já se encontram relatos que tratam da
problemática da seca nordestina, e o caráter do movimento migratório das
populações locais entre o sertão e o litoral, mesmo antes de uma ocupação mais
intensiva. Este fato, de certa forma, confirma a existência deste problema
crônico (de ordem genética do clima) sobre as anomalias da distribuição das
chuvas da região.
Retomando as primeiras impressões dos portugueses sobre a natureza e o clima
do Brasil, em abril de 1000, na célebre carta de Pero Vaz de Caminha, enviada
ao Rei de Portugal, Dom Manuel, o escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral,
descrevendo os nativos do litoral baiano, conclui:
Por quê os corpos seus são tão limpos e tão gordos e tão formosos, que não
se pode mais ser. Isto me faz presumir que não tem casas nem moradas em que se
acolhem, e o ar, a que se criam, os faz tais. (Caminha. 1981, p.53)
O que Caminha entende e denomina como “ar” é o que hoje definimos como
clima. Mesmo considerando que, ao contrário de suas palavras, os indígenas
habitavam malocas de madeira e palha, e não ao relento, como afirmara, descreve
um clima como sendo muito salutar e temperado, e a seguir, comenta:
"[...] até agora não pudemos saber que
há ouro, nem prata, nem nenhuma cousa de metal, nem de ferro, nem lho vimos.
Porém, a terra em si é de muitos bons ares, assim frios e temperados, como os
de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo de agora os achamos como os de
lá". (Caminha. 1981, p.87)
Tanto Hans Staden, mercenário alemão a serviço do Reino de França, quanto
Gabriel Soares de Souza, também deixaram impressões valiosas sobre as características
gerais do clima do Brasil. O primeiro, que permaneceu no Brasil entre 1553 e
1554, publicou em 1557 suas “Duas Viagens ao Brasil” e, referindo-se ao
território Atlântico, escreveu: “o país do Brasil está em parte entre os
dois trópicos [...] a gente anda nua e em estação nenhuma do ano faz tanto frio
como aqui em Michaelis, mas a parte da terra mais ao sul do Capricórnio é um
pouco mais fria” (Staden. 1974, p.12).
O segundo, Gabriel de Souza, ao comentar o clima da Bahia, em 1587, registra
os seguintes fatos:
Os dias em todo o ano são quase iguais com as noites e a diferença que tem
os dias de verão e os do inverno é uma hora até hora e meia. Começa-se o
inverno desta província no mês de abril e acaba-se por todo o julho, em o qual
tempo não faz frio que obrigue aos homens se chegarem ao fogo, senão o gentio,
por que andam despidos. Nesta comarca da Bahia, em rompendo a luz da manhã,
nasce com ela juntamente o Sol, assim no inverno como no verão. E em se
recolhendo o Sol à tarde, escurece juntamente o dia e cerra-se à noite. Começa
o verão em agosto, durando até o mês de março, no qual tempo reinam os ventos
nordeste e leste-nordeste e correm as águas na costa ao som dos ventos da parte
norte para o sul, pela qual razão se não navega ao longo desta costa senão com
as monções ordinárias. (Souza. 1587, apud, Ab’Saber. 1979, p.126)
Nesta passagem se observa o estranhamento dos europeus quanto ao fato de que
não haja crepúsculos como os que ocorrem nas latitudes médias da Europa. Notam
que o dia nasce com o sol e se encerra com o por do sol, tendo os dias e as
noites quase igual duração.
Desta forma, conclui-se que, de modo geral, as primeiras impressões sobre os
“ares”, ou seja, os climas do território brasileiro eram bastante positivas e
suscitavam uma excelente perspectiva de aclimatação dos europeus.
Alegres trópicos: a França “descobre o Brasil”
O Brasil dos primeiros viajantes franceses é uma terra de beleza,
fertilidade e alegria. A opinião sobre os “bons ares”, a riqueza e o colorido
da flora e da fauna, assim como a boa impressão sobre os habitantes é quase
unânime (Perrone-Moysés. 1996).
Desde 1003, navios franceses estiveram abordando o nosso litoral em busca do
pau brasil, e outras riquezas nativas. Ao contrário dos portugueses, estes conseguiram
se relacionar melhor com os indígenas brasileiros, pois estabeleceram um
sistema de trocas justas de mercadorias e não se interessaram em dominar as
terras nem escravizar os nativos.
Em 1505, Binot Palmier de Gonneville, rico comerciante francês, aporta no
litoral de Santa Catarina e inicia um intercâmbio comercial, que duraria quase
dois séculos, e que marcaria de forma profunda, até mesmo a própria sociedade
francesa.
Meio século depois, chega ao Rio de Janeiro, em 1555, a armada de Nicolas Durand
de Villegagnon, que em nome da coroa francesa, invade a vila e funda a França
Antártica em terras brasileiras. Em sua companhia, vieram dois religiosos, que
deixaram extensos relatos e crônicas sobre nosso país.
O franciscano Andre Thevet e o calvinista Jean de Léry, não tinham posições
doutrinárias contrárias somente por suas convicções religiosas, mas também por
suas impressões sobre o modo de vida dos povos indígenas e as peculiaridades da
nova terra. Enquanto Léry, assim como seus conterrâneos capuchinhos Abbeville e
Evreux, meio século mais tarde, defendia a existência de um quadro natural
puro, sadio e paradisíaco, Thevet descrevia uma natureza perigosa e corrompida,
mesmo que mais tarde tenha mudado de opinião, como veremos adiante.
Numa obra de vulto para a época, Thevet escreveu – entre 1555 e 1558 – sobre
as singularidades da França Antártica, depois de ter estado por quase três anos
no Brasil e outros tantos em diversas regiões do continente americano. Nesta
obra, republicada pela Editora da Universidade de São Paulo em 1978, inserida
na coleção Reconquista do Brasil, Thevet, ao contrário da visão de paraíso de
Fernão Cardim, comenta sobre o Rio de Janeiro que, além da chuva incessante
(abril de 1556) e do calor insuportável:
[...] a água da chuva nesta região é
corrompida, por causa da infecção do ar pelo qual passa e da matéria igualmente
corrompida que se encontra nas partes onde se formam estas chuvas. (Thevet.
1978, p.221)
Esta descrição, entretanto, não condiz com os relatos de todos os outros
cronistas da época (primeira metade do século XVI), que foram unânimes em
declarações positivas da natureza, da pureza do ar e das delícias do clima.
Aliás, esta controvérsia se estendeu por mais de um século, no início da
colonização, quando os cronistas da época se debateram entre os preconceitos
atribuídos às zonas tórridas e as características reais do clima do Brasil
Atlântico. Esta controvérsia encontrou em Thevet seu principal interlocutor. Se
em sua chegada via uma natureza corrompida, após sua permanência no Brasil,
muda de opinião e assume uma postura crítica, ao discutir este conceito.
Declarava que os antigos falavam mais por conjecturas do que por experiência, e
que reproduziam a conceituação tradicional de que a zona inserida entre os
trópicos é chamada de tórrida por causa da ardência dos raios solares.
Entretanto, esclarecia o religioso francês, a sua experiência de vida no Brasil
não lhe deixava dúvidas sobre a superioridade das regiões quentes e úmidas para
a sobrevivência e habitabilidade humanas (Ab’Saber. 1979).
Uma suposição que poderia ser inferida é a de que em sua curta estada na
baía de Guanabara, a despeito de suas idéias pré-concebidas, tenha vivenciado
um episódio destes que são bem conhecidos dos habitantes dos trópicos, que se
refere ao domínio do ar tropical continental. Quando este avança sobre o
litoral, provoca as temperaturas mais elevadas, acompanhada de baixa pressão do
ar e de calmarias. Este quadro sinótico sobre uma área de manguezais, típica do
entorno da cidade do Rio de Janeiro, pode provocar a existência de odores
fortes que ocasionam mal estar, pela exalação de gases como o metano e enxofre.
De qualquer forma, a descrição de Thevet não deve ser desconsiderada, mesmo
sendo contrária a dos outros cronistas da época, uma vez que, em geral, tais
viajantes não permaneciam muito tempo em cada lugar. Desta maneira, tinham uma
possibilidade parcial de avaliar o comportamento do clima, limitando-se a
descrever os tipos de tempo dominantes na época do ano que aí permaneciam.
Mesmo sem mencionar diretamente sobre o clima da nova terra, Jean de Léry,
que chegou ao Rio de Janeiro em 1557, e publicou suas narrativas sobre a
experiência vivida no Brasil em 1578, denominadas “Viagem à terra do Brasil”,
tinha uma visão muito mais aberta e de respeito às diferenças, se comparada com
seu compatriota Thevet. Enquanto este, mais moralista, condenava nos índios a
preguiça e a luxúria, Léry se mostrou mais fascinado pela natureza tropical,
pela cultura, pela ética e pelo modelo de vida dos indígenas brasileiros, a
ponto de retratar esta terra como os “alegres trópicos” (Perrone-Moysés. 1996).
Expulsos do Rio de Janeiro em 1567, pelas forças de Mem de Sá, então
governador geral da colônia, os franceses voltam ao Brasil meio século mais
tarde e, ao invadirem as terras maranhenses, implantam a França Equinocial em São Luis, em 1612. A armada de Daniel de
la Touche
traz, entre outros, dois padres capuchinhos: Claude d’Abbeville e Yves
d’Evreux.
Além da impressionante descrição que faz sobre os Tupinambás, Abbeville foi
aquele que mais observou o tempo e o clima, deixando através de sua grande obra
“A Missão dos Padres Capuchinhos na Ilha do Maranhão”, um importante conjunto
de informações sobre as características climáticas da região.
Era opinião reinante nos círculos cultos da Europa do século XVI, a
concepção aristotélica de que na então denominada “zona tórrida”, o calor seria
tão extremado, que a vida se tornaria impossível de adaptação. Contrariando
este conceito, Abbeville descreve, entre espantado e maravilhado com o que via
e sentia, o clima da Ilha do Maranhão, da seguinte forma:
Passando o sol continuamente sobre essa zona tórrida, de um trópico a outro,
como em sua morada eterna ou magnífico palácio contempla seus súditos diretamente
e de frente, e seus raios sendo perpendiculares e ortogonos, e a reverberação
dos mesmos intensos, deve o calor ser extremado a ponto de terem pensado
autores acatados (e ainda o pensarem) que somente com grandes dificuldades pode
o homem adaptar-se. Mas por merce de Deus, observa-se o contrário na Ilha do
Maranhão e terras adjacentes do Brasil, situadas precisamente sob a zona
tórrida, a dois e meio graus do Equador, onde passando o sol duas vezes pelo
seu zênite, seria de fato o calor insuportável não fosse a incomensurável
providência divina atenuar e temperar tal ardor por meios muitas vêzes
maravilhosos. (Abbeville. 1975, p.152-153)
Observa-se que, apesar da constatação da existência de um clima muito mais
ameno do que se poderia imaginar para essas latitudes, o autor (e todos os
autores de sua época) ainda desconhecia a gênese de tais fatos, ou melhor,
atribuíam suas causas à vontade e providência divina, como era corrente durante
o período em que o pensamento escolástico predominou no contexto da filosofia
cristã.
Mesmo considerando as explicações teológicas para a compreensão das
amenidades do clima desta região, Claude d’Abbevile já atentava para o fato de
que, vindo as correntes de ar que chegavam ao litoral brasileiro, pelo
quadrante oriental, atravessando o Oceano Atlântico, este ar era temperado
pelos vapores das águas oceânicas, que o tornavam puros e “sadios”. Tal foi o
impacto destas sensações na percepção do clima local, que o autor descreveu
estas sensações, e arriscou uma explicação:
Se a temperatura, ou o clima, de uma região depende tão somente da pureza e
da doçura do ar, julgo (o que há de parecer paradoxal a muitos) que não existe
lugar no mundo mais temperado e delicioso do que este. Passando o sol da Guiné,
a leste, para o Brasil, a oeste, atravessa grande extensão de mar e se impregna
de vapores puros e limpos que o temperam admiravelmente. Por esta razão é o
Brasil salubre e temperado, enquanto a Guiné não o é, por não se achar sob a
cobertura de idênticos vapores. (Abbeville. 1975, p.153-154)
Trata-se, naturalmente, dos ventos alísios. Em todo o litoral norte e
nordeste do Brasil, os ventos que sopram do mar efetivamente amenizam as
condições do clima, pela ação do calor latente. Abbeville, observador atento,
já constatara que além do papel regulador da temperatura promovida pela ação
destes ventos, quando do solstício de verão para o hemisfério sul, a região se
tornava palco de abundantes precipitações, principalmente no período equinocial
de março. A terminologia empregada como “doçura do ar” e “vapores puros” ou
“salutíferos” pode ser interpretada no contexto das grandes epidemias e da
insalubridade das cidades européias do início do Renascimento.
É interessante notar que estas informações sobre o curso anual da sazonalidade
do clima, também eram de conhecimento dos Tupinambás, nativos habitantes desta
região do Brasil, com a única diferença de que, enquanto Abbeville associava as
estações secas e chuvosas pelas situações da movimentação do sol (do trópico de
Capricórnio para o de Câncer – solstícios e equinócios), os índios maranhenses
observavam pela movimentação das estrelas – as Plêiades.
Ao caracterizar a variabilidade do clima, Abbeville descreve tanto a
sazonalidade diuturna quanto estacional. Sobre as variações ao longo do dia,
comenta que:
O frescor da noite, dos rios e regatos, banha os vapores do sol, formados
durante o dia e mesmo depois do ocaso, e os condensa tanto mais depressa quanto
sutis, e os transforma rapidamente em abundantes e frescos orvalhos que regam e
refrescam toda a região, tornando as noites belas e serenas, agradáveis e
deliciosas. (Abbeville. 1975, p.155)
Sobre o curso anual – sucessão dos períodos chuvosos e de estiagem – explica
da seguinte maneira:
Além disto a providência divina, que tudo dispõe com sabedoria, tempera o
ardor do sol em toda essa região, por meios muito mais extraordinário. Manda à
frente do sol, na sua trajetória do trópico de Capricórnio para o trópico de
Câncer, grandes chuvas que principiam mais ou menos seis semanas antes de
encontrar ele na linha vertical e continuam por dois meses e meio depois de ter
ele passado pelo zênite. Duram assim as chuvas de 4 a 4 e meio meses regando
abundantemente o ar e a terra, temperando o ardor do sol e fecundando a terra.
Estas chuvas começam na Ilha do Maranhão, mais ou menos em fevereiro, e duram
até fins de maio ou meados de junho. (Abbeville. 1975, p.155)
Ao terminar suas impressões sobre o clima do Maranhão, Abbeville está tão
convencido da pureza do ar e da salubridade das condições atmosféricas, ao
longo do ano todo, que não resiste ao comentário de que, na falta de doenças e
outras moléstias tão correntes no continente europeu, a esta época – como a
lepra e a tuberculose – os nativos brasileiros são muito mais sadios e fortes e
finaliza (sobre os Tupinambás): “Tão saudável é o clima, que só morrem
de velhice” (Abbeville. 1975, p.211).
De qualquer forma, os relatos dos cronistas que por estas terras estiveram
nos séculos XVI e XVII, traçaram as primeiras linhas gerais dos tipos de tempo
e conseguiram com muita e atenta observação, caracterizar as condições
habituais do clima da costa brasileira. A maior parte destas constatações foi
muito útil para que se modificassem os conceitos teóricos do significado da
zona tórrida e, estabelecessem uma nova visão dos trópicos.
Esta boa imagem do Brasil persistiu através dos séculos seguintes,
principalmente no imaginário francês, a ponto de introduzir na Europa a teoria
do “bom selvagem”, primeiramente abordadas por Jean de Léry e Michel Montaigne
e que tão relevante papel exerceu no iluminismo e no próprio ideário da
Revolução Francesa.
Segundo Perrone-Moysés (1996, p.90), “a França talvez tenha sido o
país mais profundamente marcado pela descoberta do Brasil e dos brasileiros, já
que esta transformou seus conceitos éticos, políticos, pedagógicos e higiênicos”.
Georg Marcgrave e os primeiros registros meteorológicos no Brasil
holandês
Se os cronistas do primeiro século da colonização do Brasil puderam apenas
realizar constatações a partir da observação e da experiência vivida em nosso
território, no século XVII, por ocasião da presença holandesa no nordeste
brasileiro, foram realizadas as primeiras pesquisas científicas baseadas nos
registros das condições do tempo e caracterização do clima.
Assim, os europeus que estiveram no Brasil no início do século XVI eram
representantes de um conhecimento científico que ainda se pautava no sistema
aristotélico-tomista, proveniente do pensamento clássico helênico e da época
cristã, que dominou toda a Idade Média. Este conhecimento se caracterizava pela
exploração especulativa dos fatos e pelos axiomas cristãos. Entretanto, com o
Renascimento europeu estabelecem-se novas visões de mundo quando a
experimentação toma o lugar da especulação. É neste contexto, que os sábios
holandeses que vieram com o Príncipe Maurício de Nassau procuraram entender a
terra e a gente do Brasil.
Apesar da Holanda ter sido velha parceira comercial de Portugal, atacou o
Brasil, a maior colônia lusa, porque travava com a Espanha a guerra por sua
independência. Desde 1580, a
coroa portuguesa passa para o domínio espanhol e, consigo, toda a vastidão do
império colonial lusitano. É neste contexto que, em 1630, os holandeses invadem
Pernambuco (e mais outras 6 das 19 capitanias existentes àquela época), então a
maior zona produtora de açúcar do Brasil e do mundo, com cerca de 130 engenhos
produzindo mais de mil toneladas deste produto, anualmente (Bueno. 1997).
Em 1637, chega ao Recife o novo governador geral mandado pela Companhia das
Índias Ocidentais, o nobre Johann Mauritius van Nassau-Siegen, Príncipe de
Orange, alemão de nascimento, mas a serviço da Holanda. Demonstrando o enorme
poderio econômico da empresa patrocinadora desta aventura ultramar e da
formação humanística e intelectual de Nassau, com ele vem uma numerosa comitiva
incluindo artistas, naturalistas e homens de ciências, como Franz Post, Willen
Piso, Zacharias Wegener e Georg Marcgrave (ou Marcgraf).
Enquanto Post, primeiro europeu a pintar os esplendores da natureza dos
trópicos, retratava de forma brilhante os animais e plantas, além das paisagens
naturais, Piso, médico pessoal de Nassau, estudou profundamente a ervas
medicinais e realizou os primeiros estudos de medicina tropical. Já Marcgrave,
astrônomo, matemático e cartógrafo trouxe consigo um observatório astronômico
completo da Holanda, empreendendo as primeiras medições científicas sobre os
céus e o clima de Recife e arredores.
Marcgrave, que viveu no Brasil por 6 anos (1637 a 1642), obteve uma
série temporal diária entre 1640 e 1642, em Recife (então denominada de cidade
Maurícia, em alusão ao príncipe holandês Maurício de Nassau, encarregado da
administração local), registrando as condições do tempo, os ventos e as chuvas.
Seu companheiro de missão, o médico holandês Willem (Guilherme) Piso, pode
descrever o regime climático e detalhou o terrível episódio pluviométrico de
1641, quando o rio Capibaribe transbordou ocasionando muitas perdas de animais
e vidas humanas.
Johannes de Laet, que foi uma espécie de escritor dos feitos de Marcgrave,
pois este faleceu precocemente em 1648, na África, aos 34 anos, deixando seus
manuscritos inacabados, descreve outro evento bastante atípico para aquela
latitude quase equatorial (cerca de 8o sul), quando da penetração de
um anticiclone polar atlântico no inverno daquele mesmo ano. As temperaturas
baixaram tanto, principalmente na região serrana de Garanhuns, que um frio
inédito e intenso nevoeiro, pouco comuns para esta parte do Brasil, atingiram a
região inesperadamente.
Sobre este episódio, comenta que choveu muito no inverno de 1641. Além dos
densos nevoeiros que se formavam, os ventos fortes e frios ocasionaram
temperaturas excepcionalmente baixas mesmo ao meio dia. No alto do monte
Itapuameru (provavelmente na atual região de Garanhuns), o frio era tão intenso
que os cabelos e barbas ficavam cobertos de gotas de água e as mãos
“enregelavam” à comparação do gelo.
Segundo Sampaio Ferraz (1980) isto parece bastante plausível, pois, afirma o
autor;
Do ponto de vista da climatologia de todo o globo, esta quadra excepcional
se enquadra bem no primeiro período da chamada Pequena Era Glacial, de 1550 a 1650, em que se
registrou o avanço geral das geleiras nos Alpes, Escandinávia e Islândia, e
que, segundo autoridades no assunto, repercutira igualmente no Hemisfério Sul.
(Ferraz. 1980, p.211)
Dos registros de Marcgrave, merecem especial atenção às direções do vento,
os dias com relâmpagos e trovoadas e, mais especificamente, o número de dias
com chuva. Como não havia ainda como quantificar a pluviosidade, anotou os dias
em que ocorreram chuvas e comenta sobre os episódios de chuvas mais intensas.
Esclarece que, na maior parte das vezes, tratava-se de chuvas curtas, rápidas e
de pequena intensidade. Na Tabela 1,
a seguir, demonstra-se este fato.
Tabela 1
Número de dias com chuvas. Comparação entre os dados registrados por
Marcgrave (1640/1642) e por Morize (1912/1919)
|
Anos
|
Jan
|
Fev
|
Mar
|
Abr
|
Mai
|
Jun
|
Jul
|
Ago
|
Set
|
Out
|
Nov
|
Dez
|
Tot.
|
1640
|
12
|
14
|
21
|
22
|
24
|
19
|
26
|
22
|
12
|
11
|
10
|
10
|
203
|
1641
|
6
|
15
|
13
|
21
|
24
|
18
|
19
|
15
|
8
|
7
|
7
|
13
|
166
|
1642
|
16
|
9
|
16
|
21
|
19
|
22
|
14
|
16
|
13
|
7
|
7
|
4
|
164
|
Med 1640/42
|
11
|
13
|
17
|
21
|
22
|
20
|
20
|
18
|
11
|
8
|
8
|
9
|
178
|
Med 1912/19
|
14
|
19
|
18
|
19
|
21
|
26
|
27
|
26
|
25
|
18
|
11
|
11
|
235
|
Fonte: Sant’Anna Neto (2001)
Sem dúvida alguma, os registros e observações desta pioneira dupla de
naturalistas, Marcgrave e Piso, são as primeiras de que se tem notícia em todo
o território brasileiro. Foram condensadas numa valiosa publicação (para a
época), Historia Naturalis Brasiliae, que é o verdadeiro marco histórico
de uma análise mais conjuntiva da climatologia brasileira, despojada da física
rudimentar aristotélica, ainda tão em voga no velho continente.
Outras observações muito interessantes de Marcgrave referem-se ao que
podemos considerar como as pioneiras considerações bioclimatológicas, quando,
ao tratar da paisagem pernambucana, não se limita à descrição dos fatos, mas
busca suas possíveis causas. Isto pode ser notado no trecho que se segue:
O importuno ardor do verão obriga os habitantes a não cultivarem a terra. Os
próprios outeiros, por esses meses, por causa do ardor do sol, são infrutíferos
e secam no interior, de sorte que não só toda erva, mas também as árvores
morrem de tempos em tempos e o capim incendiado uma vez, principalmente pelo
vento rápido, prossegue o incêndio em grande área, assim elas que reverdecem
soberbamente nos meses de chuva, no estio morrem nos montes. (Marcgrave. 1942,
p.261-262)
Comenta também que os incêndios acabam sendo benéficos para a cultura da
mandioca e que fazem parte do ciclo natural. Além disto, citando informações
orais passadas pelos indígenas locais e pelos portugueses, que aí já estavam há
muitas décadas, aponta a existência de uma ciclicidade entre os anos mais
chuvosos e secos, em torno de sete anos, mas sem saber as causas, justifica que
isto ocorre por “alguma oculta provação”.
Comparando os cursos de água que desembocam no litoral, Marcgrave salienta
que, como é longo o período de estiagem do verão no interior, onde estão as
nascentes destes rios, o volume de água é pequeno, apesar de suas extensas
larguras quando chegam ao mar. Isto se deve mais à influência das correntes
marítimas do que à vazão verificada. Quando se refere ao Rio São Francisco,
entretanto, após analisar o material carreado pelas suas águas, infere que este
rio deveria nascer muito ao sul, no interior, cuja região apresenta estação
chuvosa mais longa e intensa (Marcgrave. 1942).
Salomão Serebrenick, geógrafo do IBGE, que comentou a obra de Marcgrave na
primeira edição brasileira, numa apreciação crítica sobre os estudos
climatológicos contidos na “História Natural do Brasil”, aponta uma série de
fatos relevantes, como:
Os dois elementos climáticos que foram objeto das observações de Marcgrave
são o estado do tempo e o vento, sendo o primeiro representado pelos elementos
parciais: número de dias de chuva, épocas chuvosas, meses mais chuvosos,
trovoadas, relâmpagos e nevoeiro. As observações de Marcgrave sobre a região costeira
do nordeste oriental foram particularmente felizes, já que nas regiões
tropicais – como hoje sabemos – existe estreita correlação entre a dinâmica das
massas de ar e os tipos de tempo, sendo indispensável o conhecimento do regime
pluviométrico para caracterizar as verdadeiras estações do ano, porque as
variações sazonais de temperatura, via de regra, são restritas ou muito
pequenas. (Serebrenick, in: Marcgrave. 1942, p.101)
Percebe-se, pois, que as observações e análises de Georg Marcgrave eram surpreendentes
mesmo para o seu tempo. As preocupações com os tipos de tempo e as explicações
causais e relacionadas aos aspectos cotidianos da população e da economia
agrícola de Pernambuco, aproximam estes propósitos, com os da própria
Climatologia Geográfica. Infelizmente, parte dos estudos de Marcgrave se
perdeu, com a sua morte prematura, e a despeito do esforço de Johannes de Laet,
que organizou seus escritos, mas que jamais esteve no Brasil, não pode terminar
alguns dos documentos por falta de informações.
O legado científico deixado pelos holandeses, como afirma Belluzzo (1996),
fornece as primeiras evidências do momento de construção histórica do
observador ocorrido no século XVII, quando se buscava apreender a estrutura
visível da natureza. Esta nova abordagem da ciência da natureza desenvolve-se
em oposição à crença religiosa e sem preocupações morais.
De qualquer forma, em 1640, o Brasil e as demais colônias voltam ao domínio
português, com a restauração de sua coroa, após 60 anos de domínio espanhol. Em
1644, após desentendimentos com a Companhia das Índias Ocidentais, Nassau
renuncia a seu cargo e retorna à Holanda. Junto com ele, voltam também os
pintores, médicos e naturalistas. A partir daí, inicia-se a decadência da
ocupação holandesa no Brasil. Dez anos depois, foram definitivamente expulsos,
em 1654.
O Brasil permaneceria, por mais de um século e meio, sem nenhum avanço
significativo em termos do conhecimento sobre o tempo e o clima, até que a
família real e as cortes portuguesas se transferiram para o Brasil, em 1808,
iniciando uma nova etapa de desenvolvimento científico, com as contribuições
dos viajantes e naturalistas do século XIX. Mas esta é uma outra história.
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