quinta-feira, 4 de abril de 2013

Novo Mundo viajantes do século XV/XVI








Documento 1:
“Dei muitas outras coisas de pouco valor que lhes causaram grande prazer” (11/10/1492). “Tudo o que têm, dão em troca de qualquer bagatela que se lhes ofereça, tanto que aceitam na troca até mesmo pedaços de tigela e taças de vidro quebradas” (13/10/1492). “Alguns tinham pedaços de ouro no nariz, que de bom grado trocavam por (...) [coisas] que valem tão pouco que não valem nada” (22/11/1492).
(Cristóvão Colombo, “Diário”).

Documento 2:
“Até pedaços de barris quebrados aceitavam, dando tudo o que tinham, como bestas idiotas”.
(Cristóvão Colombo, “Carta a Santangel”, fevereiro/março de 1493).

Documento 3:
“Alguns índios que o Almirante [Colombo] tinha trazido de Isabela entraram nas cabanas (que pertenciam aos índios locais) e serviram-se de tudo o que era de seu agrado; os proprietários não deram o menor sinal de aborrecimento, como se tudo o que possuíssem fosse propriedade comum. Os indígenas, achando que tínhamos o mesmo costume, no início pegaram dos cristãos tudo o que era de seu agrado; mas notaram seu erro rapidamente.”
(Fernando Colombo, “Histoire” ou “Vida do Almirante Dom Cristóvão Colombo”, publicado em 1571)

Documento 4:
“Como na viagem que fiz a Cibao [atual República Dominicana], ocorreu que algum índio roubou, se fosse descoberto que alguns deles roubam, castigai-os cortando-lhes o nariz e as orelhas, pois são partes do corpo que não se pode esconder”.
(Cristóvão Colombo, “Instruções a Mosen Pedro Margarite”, 09/04/1494).

Documento 5:
“Cortez ordena que cada um dos [sessenta] caciques faça vir seu herdeiro. A ordem é cumprida. Todos os caciques são então queimados numa imensa fogueira e seus herdeiros assistem à execução. Cortez chama-os em seguida e lhes pergunta se sabem como foi dada a sentença contra seus pais assassinos, depois, tomando um ar severo, acrescenta que espera que o exemplo baste e que eles não sejam mais suspeitos de desobediência.”
(Pierre Martyr Anghiera, “De Orbe Novo”, publicado em 1511).

Documento 6:
“Assim que os espanhóis souberam das crenças ingênuas dos insulares em relação a suas almas que, após a expiação das faltas, devem passar das montanhas geladas do norte para as regiões meridionais, tudo fizeram para persuadi-los a abandonarem por iniciativa própria o solo natal e se deixarem levar às ilhas meridionais de Cuba e Hispaniola [Haiti]. Conseguiram convencê-los de que eles mesmos estavam chegando do país onde encontrariam seus pais e filhos mortos, todos os parentes e amigos, e desfrutariam de todas as delícias nos braços daqueles que tinham amado. Como os sacerdotes já tinham incutido neles essas falsas crenças, e os espanhóis confirmavam-nas, deixaram a pátria nessa vã esperança. Assim que compreenderam que tinham abusado deles, já que não encontravam nem os parentes nem pessoa alguma que desejavam e eram, ao contrário, forçados a suportar fadigas e a executar trabalhos duros aos quais não estavam habituados, ficaram desesperados. Ou se suicidavam, ou então resolviam morrer de fome e faleciam de cansaço, recusando qualquer argumento, e até mesmo a violência, para se alimentarem. (...) Assim pereceram os desafortunados lucayos.”
(Pierre M. Anghiera, “De Orbe Novo”).

Documento 7:
“Esta é nossa principal intenção: prevenir o clero da confusão que pode existir entre as nossas festas e as deles. Os índios, simulando a celebração das festas de nosso Deus e dos santos, inserem e celebram as de seus ídolos quando caem no mesmo dia. E introduzem seus antigos ritos no nosso cerimonial. (...) Durante esses dias de festa, ouvia cantos louvando a Deus e aos santos que eram misturados com suas metáforas e coisas antigas que só o demônio compreende, pois foi ele quem lhas ensinou.”
(Frei Diego Durán, “Historia de las Indias de Nueva España e Islas de la Tierra Firme”, escrito entre 1576-1581).

Um bom modo de iniciar o trabalho com esses documentos é perguntando aos alunos o que todos eles têm em comum. Essa é a informação básica para o desenvolvimento da atividade: são textos produzidos por europeus dos séculos XV e XVI, portanto do início da conquista e colonização, sobre os habitantes do lugar que os europeus denominaram “Novo Mundo” e, a partir de 1507, de “América”, em homenagem ao navegador e mercador florentino Américo Vespúcio (1454-1512), o primeiro a anunciar que as terras então descobertas eram parte de um novo continente.
Um segundo passo é inquirir dos alunos o que levou Cristóvão Colombo a comparar os indígenas a “bestas idiotas” (doc. 2) e se eles concordam com essa avaliação. À possível resposta de que foi o fato dos indígenas trocarem bagatelas, coisas de nenhum valor, por ouro, o professor deve problematizar: coisas de nenhum valor para quem? Quem é o verdadeiro idiota nesta história? Mostrar que foi a incompreensão de Colombo, sua ignorância em relação aos valores e cultura dos indígenas, do outro, do diferente, que o levou a chamar-lhes de “bestas idiotas”. Como bem diz Todorov: “Colombo não compreende que os valores são convenções (...) e que o ouro não é mais precioso do que o vidro ‘em si’, mas somente no sistema europeu de troca. (...) temos a impressão de que é ele [Colombo] o idiota: um sistema de troca diferente significa, para ele, a ausência de sistema, e daí conclui pelo caráter bestial dos índios.” (Tzvetan Todorov, A conquista da América. A questão do outro. Trad. Beatriz Perrone Moisés. São Paulo: Martins Fontes, 1993, p. 37. Todos os documentos desta atividade foram tirados do livro de Todorov).
A partir da referência ao “sistema europeu de troca” o professor pode estabelecer seu elo com o tópico 2.
Um possível terceiro passo é pedir para os alunos identificarem a frase do filho mais novo de Colombo, Fernando, (doc. 3) em que ele nos dá uma pista para compreendermos que seu pai estava errado ao chamar os indígenas de “bestas idiotas”. A frase: “Os indígenas, achando que tínhamos o mesmo costume, no início pegaram dos cristãos tudo o que era de seu agrado, mas notaram seu erro rapidamente.” Aqui o professor deve explorar o fato de que Fernando percebe que os indígenas têm costumes diferentes, que a noção que eles possuem de propriedade privada é diversa da dos europeus. Mas, sintomático, Fernando identifica o diferente com o erro. Sua visão etnocêntrica o impede de conferir validade aos valores de outros povos, de outras culturas. Uma possível questão para o desenvolvimento deste ponto é pedir para os alunos, relacionando os documentos 3 e 4, justificarem a afirmativa: “O projeto de dominação do Novo Mundo pelos europeus significou forçar os indígenas a assimilarem os valores da cultura européia. Na base desse projeto estava a intolerância em relação ao diferente.”
Os documentos 5 e 6 nos informam de diferentes meios de dominação utilizados pelos espanhóis no Novo Mundo. Peça para os alunos: a) identificarem esses meios diferentes; b) relacionarem o meio utilizado no documento 5 com o documento 4; c) apontarem as diferenças e as coincidências na atitude dos europeus em relação à cultura dos indígenas comparando os documentos 3, 6 e 7 com os documentos 1 e 2.
O professor deve enfatizar que não foi apenas através da violência física explícita – o suposto “roubo” e a rebelião promovida pelos caciques contra o domínio espanhol são punidos exemplarmente, isto é, visíveis aos olhos de todos (docs. 4 e 5) – que os europeus impuseram sua dominação. À medida em que foram tomando conhecimento dos valores, das tradições, de elementos da cultura indígena se utilizaram astutamente desses elementos para que os indígenas atendessem a seus interesses – no caso do doc. 6, servirem como mão-de-obra. Enquanto nos documentos 1 e 2 o que salta aos olhos é a ignorância do europeu em relação à cultura indígena, os documentos 3, 6 e 7 revelam conhecimento do europeu de elementos dessa cultura. Mas a intolerância em relação ao diferente é a mesma: o “bestas idiotas” (doc. 2) equipara-se ao “erro” (doc. 3), às “crenças ingênuas”, às “falsas crenças” (doc. 6), às coisas do “demônio” (doc. 7)
Através da leitura dos documentos 5, 6 e 7 peça aos alunos para identificarem diferentes meios que os indígenas utilizaram para resistir à dominação. O professor deve ressaltar que não foi apenas através da rebelião armada que os indígenas resistiram à dominação (doc. 5). Alguns preferiram deixar de viver – na esperança, segundo suas crenças, de uma vida prazerosa após a morte – a serem escravos dos espanhóis (doc. 6). Outros, mesmo servindo aos europeus, se utilizaram da cultura que lhes era imposta para introduzir e preservar elementos de sua própria cultura, mantendo assim traços de sua identidade e resistindo à total submissão à religião do europeu. Aqui o professor pode relacionar esse ponto com o tópico 3, com as formas de resistência dos africanos à escravidão: quilombos, rebeliões, banzo e introdução de elementos da cultura africana nas manifestações culturais do branco europeu. Particularmente nos municípios onde existem festas como moçambique, congada etc., o professor deve explorar essa última forma, bem como relacioná-la com as atividades dos “escravos de ganho”, que se configuram ao mesmo tempo como resistência e acomodação ao sistema dominante.
Esta atividade pode ser utilizada pelo professor para trabalhar com os alunos o conceito de “aculturação”. Mostrar que nunca uma cultura consegue apagar uma outra que pretende dominar. Sempre quando culturas distintas entram em contato entre elas ocorre uma interação ou ação recíproca. Seria interessante o professor desenvolver com os alunos uma pesquisa de identificação nas manifestações culturais e no cotidiano de sua cidade de traços das culturas africana, indígena e européia. A começar pelos nomes das ruas e bairros.
Glossário:
Isabela: nome dado por Colombo à quarta ilha que encontrou, em homenagem à rainha de Espanha, Isabel.
Lucayos: povo que habitava as atuais Ilhas Bahamas.
Visão etnocêntrica: visão que considera sua própria raça ou povo como o centro da cultura. Marcada pelo hábito de julgar povos estrangeiros pelos padrões e práticas de sua própria cultura ou grupo étnico. Tende a menosprezar sociedades ou povos cujos costumes são diferentes dos da sua própria sociedade ou povo.
Banzo: estado de nostalgia profunda, mortal, dos negros africanos escravizados e levados para terras distantes.

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